terça-feira, 23 de setembro de 2008

Lourenço Mutarelli - O quadrinista/escritor da tristeza, da solidão, da ilusão...













- Com o livro “O Cheiro do Ralo” autor chega ao cinema

Lourenço Mutarelli, esteve visitando Adamantina no último dia 19, dentro do Projeto “Viagem Literária”. A Gazeta Regional esteve presente na Biblioteca Municipal daquela cidade e fez a entrevista que segue.

Gazeta Regional – Você um dia disse: - Se me virem em uma palestra ou evento não tenham vergonha, digam que também pertenceram a esse blog...
Várias pessoas participaram do seu blog e com o fim do mesmo, muitos foram os que ficaram órfãos da sua ácida opinião sobre tudo ali postada, mas creia, quase todos entenderam a razão da sua despedida.
Muitos moram, outros já moraram em São Paulo e sabem o quanto é complicado, nos dias de hoje, tentar enfrentar o ritmo frenético da metrópole. Ainda tem a tecnologia que nos absorve, contribuindo em muito para a pressa de todo os dias, o que acarreta mais pressão e estresse.
Quando você foi vitima da síndrome de pânico, a sua produção nos quadrinhos e na literatura foi mais intensa?
Lourenço Mutarelli – Quando eu comecei a me recuperar sim. Eu tive uma depressão muito profunda e sofria vários ataques por dia. Eu fiquei muito debilitado e conforme eu fui melhorando produzi o meu primeiro álbum de quadrinhos (Transubstanciação), mas sem dúvida essa fase foi uma fonte de idéias para o meu trabalho e é o que tem alimentado toda a minha obra.
GR – Você disse amar a solidão. Como é ter que cumprir uma agenda extensa de palestras por várias cidades, onde ao mesmo tempo em que divulga todo o seu trabalho, é obrigado também a sair dessa rotina de silêncio e produção?
LM – Eu acho bom esse contato. Sinceramente eu gosto. Descobri que fazendo palestras você acaba tendo uma visão diferente de todo o seu trabalho. A gente não reflete sobre o trabalho e depois que você vai embora começa a ter essa visão substanciada deste trabalho o que é importante. Eu estou viajando demais, mas aqui é a última cidade do projeto “Viagem Literária”, do Governo Estadual e depois vou a Curitiba e aí sim eu preciso me fechar e me concentrar no meu trabalho.
Não tem jeito, quando você lança um livro e ele vai bem isso acontece. É comum que você tenha muita atividade na divulgação, isso faz parte do trabalho, mas agora essa fase já passou e eu vou voltar a me recolher.
GR – Qual é a sua opinião sobre o atual momento tecnológico que estamos vivendo? Você diz que não tem nada a ver com internet e etc.
LM – Eu acho que eu estou ficando mais otimista com isto. Por exemplo a volta do vinil e não só o vinil, está vindo um modismo retrô pois todos pensam que a internet pode ser boa e tão percebendo que ela é limitada, como tudo, eu acho que está voltando. O que me revoltou muito nesse processo foi a falta de material, eu trabalho muito com bico de pena e havia parado de ser importado, então isso me revoltou muito, o pessoal ceder a uma coisa nova e que ninguém sabe direito o que é ainda e aceitar totalmente sem questionar, achando que é bacana, que é moda, business, comércio puro, status!
Agora já estou encontrando em São Paulo bons materiais que eu não encontrava nem antes dessa época. Passou o frisson e vamos voltar a conviver com a tecnologia mais mecânica que precisa da energia humana para funcionar.
GR – Acredito então que você tem saudades dos fanzines e suas pequenas tiragens?
LM – Eu tenho pensado muito nisso, inclusive agora em Curitiba, eu vou conversar com um rapz que faz umas edições artesanais e eu quero muito fazer uma coisa assim, tenho muita vontade de fazer algo para poucos, pela experiência, sem nenhum compromisso. Quando você começa a publicar e tem visibilidade, há uma cobrança de que o seu próximo livro seja melhor e isso para mim é uma estupidez. Eu gosto muito de música e de vez em quando você ouve um cd e dizem que o segundo é bom, o primeiro é bom e só o oitavo é excelente, legal, mas veja e o terceiro, o quarto, o quinto... Pr achegar no oitavo, então, às vezes tem o processo, que a gente não busca estar só melhorando, busca a experimentação, a reflexão de algum momento. E às vezes o primeiro é o melhor e talvez o décimo seja igualmente bom, quer dizer a gente tem que ir fazendo e eu sinto falta dessa coisa artesanal e experimental que era o fanzine para mim.
GR – Seus desenhos sempre tiveram uma marca sombria. Como foi trabalhar nos Estúdios “Maurício de Souza”, fazendo gibis infantis?
LM – Foi o meu primeiro trabalho. Eu vinha trabalhando como desenhista na parte de desenho animado para cinema, então eu não trabalhei na parte dos quadrinhos. Eu comecei desenhando as pontas de animação, isso é era intercalador, e depois eu passei a ser cenarista de animação, que é quem pinta os cenários onde ocorre a animação.
Foi uma experiência interessante pois eu tinha que ter uma disciplina e produzir diariamente, a gente trabalhava com um material muito bom. Era legal poder conhecer tudo isso, mas era um trabalho. Eu acho que me ajudou, por exemplo, quando eu tirei as minhas primeiras férias do trabalho, foi quando eu comecei a fazer meus primeiros quadrinhos e tentar publicar e tudo o que aprendi me deu respaldo para eu poder ter o meu próprio trabalho.
GR – O Marcatti e o Glauco Mattoso, foram os seus parceiros na revista “TRALHA”. Como foi pra vocês editarem esse tipo de revista no Brasil?
LM – Era muito divertido, a gente conseguiu ter um espaço. A editora na época bancou uma idéia que era do Marcatti e ele convidou o Glauco e eu. Foi bom e a revista, infelizmente, durou eu acho dois números, e só terminou porque o Marcatti teve umas divergências com o editor, por mim e pelo Glauco, ela teria continuado.
GR – A maioria dos seus leitores na época dos quadrinhos, tinham acima de 20 anos e eram universitários. E agora na literatura, você tem idéia do perfil do seu leitor?
LM – Eu não tenho. Mas eu sei que o meu público acaba sendo o universitário, pelo menos eu faço palestras em universidades e é aonde eu encontro muito dos meus leitores. Eu não sei se isso tem mudado e se as pessoas que liam meus quadrinhos, lêem agora meus livros, eu não sei se isso é comum. No dia-a-dia você acaba deixando de lado algumas coisas, acaba não tendo nem tempo pra acompanhar coisas como essas que são imprescindíveis em uma carreira.
GR – A última pergunta é sobre o seu livro que virou filme – “O Cheiro do Ralo” – Você opinou n roteiro? Pode dar alguns toques ou só foi ver o filme já pronto?
LM – Não, eu participei da filmagem, fiz um personagem, acompanhei o processo de filmagem, li o roteiro, mas eu não interferi e não queria mesmo. Durante as filmagens se me perguntavam alguma coisa eu falava pra perguntar pro “Selton”, pois ele sabia mais do que eu. Eu tinha escrito o livro em 2001 e nunca mais tinha lido e ele vivia relendo, estudando o livro. Então, eu deixei que tudo acontecesse, sem nenhuma pressão ou interferência, sem que minha presença pesasse. Foi muito legal. Tem coisas diferentes na adaptação mas que já tinham falado desde o começo e eu achei que isso tornou o filme mais atraente e abriu para que mais pessoas o vissem e se interessassem pela história.
GR – Pra realmente terminarmos, você disse que no meio do ano terminou as gravações de um outro livro seu?
LM – É – “O Natimorto” – é o texto que eu mais gosto. É uma história sobre as fotografias dos maçs de cigarro. Da primeira coleção, hoje já estamos na quarta coleção. Trata-se de um cara que fuma um maço de cigarros por dia e ele sempre compra de manhã esses cigarros. Foi criado por uma tia cartomante e ele relaciona as imagens dos maços como se um prenúncio do seu dia. Isso é uma das partes da história e ele é um agente, que descobre uma cantora que tem uma voz especial e aí faz uma proposta a ela para que se isolem em um quarto de hotel por alguns anos.
A história gira mais ou menos em torno disso.



SERVIÇO:
“A Arte de Produzir Efeito Sem Causa”
novo livro de Lourenço Mutarelli
Cia. das Letras - 216Pgs.
R$ 34,90


RELEASE:
Em sua estréia na Companhia das Letras, Lourenço Mutarelli narra a história de Júnior, um homem que aos 43 anos volta para a casa do pai depois de abandonar o emprego e o casamento. Ali, se vê arrastado por um vazio existencial que o leva a transitar entre a sanidade e a loucura.

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